Famílias que vivem abaixo da linha da pobreza pedem ajuda da prefeitura mogiana contra a doença e a falta de alimentos, mas sem nenhuma assistência resta a elas esperar pelo pior
Aristides Barros / Fotos Bruno Arib - Gazeta Regional
No Jardim Planalto - periferia da cidade de Mogi das Cruzes - cerca de 600 famílias esperam que as promessas de políticos que irão à localidade nessa época eleitoral sejam cumpridas antecipadamente “e em caráter de urgência”, assinala o presidente de associação do bairro, Raimundo de Jesus Cruz, 52 anos.
Hoje a localidade tem seus problemas divisados entre a fome e a Covid-19, e as duas situações requerem a ajuda imediata do governo municipal, com o auxílio não podendo acontecer só depois das eleições.
De acordo com ele, o Jardim Planalto precisa do envio de cestas básicas para alimentar crianças, adultos e idosos, que podem perecer caso não recebam a ajuda humanitária. Juntado ao isolamento político os moradores têm sofrimento duplicado pelo coronavírus, que impõe o isolamento social.
Pobreza extrema faz que a comunidade não siga a recomendação sanitária. A reportagem não “flagrou” nenhuma pessoa com máscara, usada como prevenção à Covid-19. A falta desse e outros itens é porque os bicos e subempregos que geravam renda para comprá-los desapareceram. Junto a ameaça da doença a fome começa a rondar as casas.
“As famílias não têm dinheiro para comprar comida, falta leite e fraldas para os nenês. Agora mais do que nunca estamos precisando dos governantes”, avisa o líder comunitário.
Cruz diz que a localidade vive o isolamento bem antes da doença que flagela o mundo aterrissar no Brasil. “Moro aqui há muitos anos e o distanciamento dos políticos com o bairro não é novidade. Eles vêm, prometem, ganham votos e as eleições e não voltam mais, somem”, disse profetizando. “Voltarão agora porque é ano de eleições. Vão aparecer porque precisam dos nossos votos. Mas nesses tempos que venham já com a ajuda nas mãos, sem promessas”, reafirma.
No vai e vem, some e reaparece o líder comunitário falou sobre o retorno de um “desaparecido político” da mais alta patente que voltou ao Jardim Planalto no início do ano.
“O prefeito Marcus Melo veio aqui prometeu asfalto e água. A água veio e o asfalto não”, disse. “Hoje, mais que as obras de infraestrutura o povo precisa ter o que comer”, enfatiza expondo que a volta dos políticos tem de ser seguida da ajuda humanitária, que ele insiste. “Tem de ser urgente, necessitamos de cestas básicas, a comida está acabando”, reiterou.
AGONIA DA FOME - MÃES ESPERAM QUE NÃO FALTE ALIMENTO PARA SEUS FILHOS
Crianças no colo e sem máscaras, ou qualquer outro aparato que sugerisse precaução ao coronavírus, as mulheres que as carregavam falaram com a reportagem sem ir direto ao assunto. Mas, os rostos dessas mães revelavam que maior que o temor pela doença é o medo de não ter alimentos para dar aos filhos.
Diante do pressentimento que morrer de fome é mais real que morrer de “Covid”, e que inexiste diferença ou escolha a ambos os casos, elas não hesitam em lutar pelas crianças. Porque a única opção é agir quando se vê a morte como resultado final. Todas creem que é possível evitá-la com alimentos, depois medicamentos e assistência contínua.
As mulheres exigem que o confronto pela vida receba auxílio de autoridades políticas cujo dever é se apresentar no front de batalha. Pois, o combate ao coronavírus não pode ser solitário, sem o apoio dos que detém o poder e cujas responsabilidades nas missões que lhe cabem nessa verdadeira guerra precisam ser cumpridas.
A cozinheira Sara Regina da Silva, 40 anos, é incisiva. “Os políticos não têm feito nada por nós. Aqui não vem agente de saúde. Procuramos auxílio no ‘postinho’ que não atende. Não aparece ninguém para nos orientar sobre nada. Comprar máscara não dá um pacote custa R$ 300 e álcool gel a gente não encontra. Estamos largados”, lamenta e volta à política. “Na hora de pedir votos aparece um monte de gente, até o papa. Só que na hora de ajudar todo mundo some”, condena
“Eles precisam nos ajudar”, fala Tábata Gabriela Matos Santana, 28 anos. Mãe de quatro crianças que com os R$ 400,00 que recebe do ‘Bolsa Família’ gasta com fraldas, leite, alimentação, gás e material escolar. “O meu marido é pedreiro, mas não consegue emprego porque tudo está parado”.
Sem poder pagar aluguel, o casal constrói um barraco e pede a doação de material para finalizá-lo. “Se me ajudarem com isso agradeço muito”, pediu. Seu companheiro, Leandro de Oliveira Santos, 31 anos, está desempregado devido a redução de trabalho no setor de construção civil. “Não consigo nem bicos, mas não vou me desesperar”. Tábata e Leandro estão juntos há 10 anos.
Desempregada, Gilmara Batista Brito, 48 anos, que mora há 30 anos na localidade repete. “Aqui não veio ajuda de canto algum. As crianças saem catando ferro velho, mas até os locais que compravam também estão fechando. Estamos sem saída e sem alternativas, a doença e a fome estão aí e cadê a ajuda política? ”, indagou. “Todos nós estamos passando muitas dificuldades”.
Ela contou que um grupo de universitários solidário ao bairro relatou que não consegue arrecadar doações porque muitas pessoas estão sem nada para doar e outras sequer colaboram. A falta de se compadecer com o sofrimento dos semelhantes ilustra a falta de senso humanitário “Aí é que falta tudo mesmo”, diz a moradora.
ASSOCIAÇÃO QUER DUAS FRENTES DE COMBATES: À COVID-19 E AO 'ESTÔMAGO VAZIO'
Cruz, o líder comunitário, volta à cena dizendo que os interessados em ajudar os comunidade com doações de cestas básicas, álcool gel, produtos de higiene, podem contatá-lo pelo telefone (11) 96477-8099 ou levar as doações à Rua Dr. José Jocassio, 1.013.
“Muitos aqui não têm cesta básica ou bolsa família, mas se ajudam no que podem para sentirem menos o peso da necessidade que é enorme”, finalizou.
Os moradores contaram que acerca de uma semana todos da comunidade se cadastraram em um programa de auxílio da prefeitura que propunha, entre outros benefícios, entregar cestas básicas na localidade. “Assinamos e até agora não veio nada, estão brincando com o nosso desespero”, esbravejou Janaína Teodoro, 50 anos.
Indagada sobre o envio de ajuda aos moradores da localidade feito por meio de um cadastro a administração municipal endossou que o Comitê de Ação Social e Econômica da Prefeitura de Mogi das Cruzes identificou as famílias a serem contempladas com kits de alimentação. Porém, o governo não informou se o auxílio chegou ao Jardim Planalto.
“Equipes da prefeitura e voluntários já distribuíram 2,3 mil kits de alimentação para famílias que passam por dificuldades nesse período de isolamento, em diferentes bairros da cidade. As entregas e a montagem de novos kits terão continuidade pelos próximos dias”, disse a prefeitura.
A pergunta continua em aberto e a Covid-19 e a fome espreitam a vida de centenas de pessoas do bairro, que não podem ser tratadas como existências descartáveis.
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