A violência de agentes públicos, endossada por governos, é abordada e denunciada por familiares de vítimas
Da redação
Moradores em protesto contra operação polícial violenta que deixou centenas de mortos na Baixada Santista - Gabriela Moncau
O movimento Mães em Luto da Zona Leste, São Paulo (SP), se prepara para a oitava edição do Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado, previsto para acontecer em maio de 2025, em Florianópolis (SC).
Para isso, o “Mães em Luto” pede que interessados em ajudar colaborem com qualquer quantia por meio da vaquinha online que pode ser acessada bastando clicar em Mães em Luto da Leste no VIII Encontro Nacional
Os encontros são realizados anualmente e já aconteceram em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Goiás, Ceará, Espírito Santo, Pernambuco e o próximo será em Florianópolis.
Do encontro realizado este ano em Pernambuco saiu a pauta de demandas que contam na Carta Política da Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo.
O documento é assinado por mais de 50 entidades ligadas a movimentos de direitos humanos e conta com amplo apoio de institutos que têm os mesmos propósitos. A atenção para o tema da violência estatal é endossada em reportagem como a trazidas em Violência matou mais de 15 mil jovens no Brasil em três anos
Seguem as pautas defendidas pela Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo:
Sobre MEMÓRIA E JUSTIÇA
• Pela criação da Semana Estadual de Luta das Mães e Familiares Vítimas da Violência do Estado. Demandamos, tendo como referência o Projeto de Lei 1789/2016 do Estado de São Paulo, a criação em âmbito nacional, onde já não haja, da Semana Estadual de Luta das Mães e Familiares Vítimas da Violência do Estado, no mês de maio, conforme criação similar nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás.
• Pelo amparo e proteção às famílias denunciantes. Recomendamos a implementação da Resolução 386-CNJ/2022, que defende a criação de organismos específicos para o atendimento às vítimas desde a ocorrência até as audiências e julgamentos, nos Centros Especializados de Atenção às Vítimas, em todos os estados. Recomendamos ainda o fortalecimento das Controladorias Gerais de Disciplina - CGDs, de Órgãos de Segurança. Bem como o fortalecimento de recursos públicos de programas de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos, e de proteção às vítimas e testemunhas.
• Pela diligência nos processos judiciais nas demandas de indenização, reparação e responsabilização de agentes do Estado. Recomendamos que os Tribunais de Justiça de todo o país priorizem os processos judiciais referentes a casos envolvendo violências praticadas por agentes do Estado, e que seja garantido o direito dos familiares às informações processuais.
• Pela implementação de perícia autônoma e independente das Secretarias de Segurança do Estado e das forças policiais.
• Pela criação de um Fundo Estadual de Reparação Econômica, Psíquica e Social que atenda familiares e sobreviventes da violência do Estado em todo o país. Recomendamos, com base no Projeto de Lei 3503/04 que tramita na Câmara Federal, a criação de um Grupo de Trabalho nas Assembleias Legislativas voltado à elaboração e instauração de um Fundo Estadual de Reparação Econômica, Psíquica e Social.
Sobre o SISTEMA SOCIOEDUCATIVO
• Pela não militarização das Unidades de Internamento. Recomendamos que agentes socioeducativos sejam vinculados/as às secretarias estaduais de Educação, não tendo quaisquer vínculos com órgãos das forças de segurança.
• Pelo acesso das famílias à Assistência Social. Recomendamos uma campanha a nível nacional para o fortalecimento da assistência, com vistas ao acolhimento das
famílias e adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.
• Pela implementação do sistema de videomonitoramento de agentes do sistema socioeducativo e que a família tenha acesso irrestrito às informações sobre as condições de vida de seus filhos e filhas. Demandamos que as famílias sejam informadas sobre os direitos dos/as adolescentes e do que se passa dentro das Unidades, tendo em vista que os familiares têm esse direito frequentemente negado. Além disso, solicitamos que, quando em liberdade assistida, as famílias e adolescentes sejam devidamente acompanhados/as pelos Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e que haja disponibilização das imagens a qualquer momento quando solicitado pelos familiares.
• Pela criação de comitês e mecanismos de combate e prevenção à tortura em todos os estados da federação: contra toda forma de tortura dentro das Unidades. Reafirmamos que o Brasil é signatário da Convenção Contra a Tortura que traz para o país compromissos e obrigações internacionais quanto ao combate e prevenção à tortura dentro dos espaços de privação de liberdade.
• Pelo Garantia do Direito à Educação. Recomendamos, em atenção ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que o Ministério da Educação garanta e monitore a frequência escolar de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Recomendamos ainda a realização de campanhas a nível nacional para informar sobre o direito desses jovens à Educação de qualidade.
• Pela participação social dentro dos espaços de privação de liberdade. Reivindicamos que os órgãos públicos e entidades da sociedade civil voltadas ao monitoramento do Sistema Socioeducativo nos estados (como mecanismo estadual de prevenção e combate à tortura, as promotorias com atribuição de fiscalização das medidas socioeducativas, defensorias públicas, os GMFs, centros de defesa de direitos humanos de crianças e adolescentes, ONGs, conselhos da criança e do adolescente, conselhos de direitos humanos, entre outros) possam acompanhar mais de perto o cotidiano dos espaços de privação de liberdade.
• Pelo não-cumprimento de medidas socioeducativas em Unidades superlotadas e/ou em Unidades distantes do domicílio familiar impedindo o convívio com a família. Destacamos que a Central de Vagas tem sido implementada de maneira equivocada, servindo o propósito oposto pelo qual foi concebida. Considerando que as unidades seguem operando quase no limite da superlotação, os/as adolescentes são enviados para cumprir medida longe do domicílio e perdem o convívio familiar. Algumas famílias, mesmo que precariamente, conseguem visitar, outras já não estão conseguindo. Nossa escolha não deve ser entre a falta de convívio familiar e unidades superlotadas: existem outras medidas socioeducativas que não perpassam a privação de liberdade.
• Pela garantia de direitos para os/as adolescentes que cumprem medida de internação. Afirmamos que adolescentes não devem ter o acesso a direitos básicos restringido por estarem cumprindo medida de internação.
• Pela garantia legal da exclusividade de agentes socioeducativas mulheres nas unidades femininas. Demandamos que as Assembleias Legislativas dos estados garantam a exclusividade de servidoras mulheres nas unidades socioeducativas
femininas. É fundamental que Governadores/as encaminhem projetos de lei estaduais que garantam a integridade física, psíquica e social das adolescentes internadas.
Sobre o SISTEMA PRISIONAL
• Pela implementação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, nos termos do OPCAT, garantindo a participação popular, em especial de familiares de vítimas de terrorismo de Estado.
• Pela garantia irrestrita do Marco da Primeira Infância. Afirmamos a urgência do respeito ao Marco da Primeira Infância, garantindo que a pena não seja estendida para crianças e bebês. Que seja cumprido o Habeas Corpus coletivo do STF para todas as mulheres grávidas e mães; garantindo que crianças menores de 12 anos e/ou com deficiência, tenham assegurado o direito a serem cuidadas por suas mães, em casa.
• Pela prevenção e combate à tortura. Reivindicamos que os órgãos públicos e entidades da sociedade civil voltadas ao monitoramento do Sistema Prisional nos estados tenha sua atribuição de monitoramento garantida. Recomendamos ampliar o diálogo com o Conselho Nacional de Justiça, de modo a estimular a maior frequência em suas missões de monitoramento nos Sistemas Prisionais estaduais.
• Pela redução de orçamento para segurança pública e pelo aumento de investimento em políticas sociais. Demandamos menos investimento nas políticas públicas de segurança, compreendendo que a destinação de verba para a construção de unidades prisionais e a compra de armamento não resolve o problema da segurança pública. Precisamos de mais escolas, unidades de saúde, dentre outras políticas públicas que promovam a vida.
• Pela realização de mutirões carcerários em todo o Brasil. Demandamos que os Tribunais de Justiça, as Promotorias e as Defensorias Públicas dos estados realizem mutirões para analisar a situação processual das pessoas privadas de liberdade, garantindo o direito à liberdade e/ou à progressão de regime.
• Pelo fortalecimento e criação de Corregedorias externas e independentes à Secretaria de Administração Penitenciária. Demandamos que as Corregedorias externas tenham orçamento, autonomia funcional e não sejam ocupadas por servidores da carreira.
• Pela garantia da presencialidade no funcionamento da Defensoria Pública, em especial nos atendimentos ao público e audiências. Recomendamos ao Conselho Nacional dos Defensores Públicos para que se faça uma resolução determinando pela presencialidade no trabalho de defensores públicos, em especial, no que diz respeito ao atendimento às pessoas assistidas e nas audiências em todas as instâncias.
• Pela nacionalização da contagem de pena em dobro nos casos de cumprimento
de pena em unidades insalubres. Demandamos ao Conselho Nacional de Justiça e às Defensorias Públicas Estaduais que garantam a implementação da contagem de pena em dobro em relação ao cumprimento de pena em todas as unidades insalubres, expandindo o entendimento da Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Medida Provisória sobre a Unidade Prisional Plácido de Sá Carvalho localizada no estado do Rio de Janeiro.
• Pelo respeito aos direitos da população LGBTQIA+ nos espaços de privação de liberdade.
• Pela garantia dos direitos dos familiares das pessoas privadas de liberdade. Demandamos aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (Governadores dos estados, Secretários de Administração Penitenciária, aos Agentes das Forças de Segurança, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, Juízes, Procuradores Gerais de Justiça, Defensores Públicos Gerais, Presidentes de Assembleias Legislativas, Prefeitos e Vereadores) respeito aos direitos de familiares de pessoas privadas de liberdade, nos termos da Lei de Execuções Penais, das demais normativas nacionais e internacionais.
• Pela eliminação dos exames criminológicos. Superar a ideia de periculosidade que incide de forma desproporcional sobre jovens negros de perfiferia dentro do sistema prisional. Tendo assim, efeito potencial para a diminuição da população carcerária e redução da ação violenta da polícia.
Sobre ASSISTÊNCIA EM SAÚDE
• Pela criação do Centro/Núcleo de Apoio Psicossocial para Familiares de Vítimas do Estado. Recomendamos ao Ministério da Saúde a elaboração de um programa para assistencia integral psicossocial a familiares e sobreviventes da violência do Estado nos equipamentos de saúde existentes em cada território, contando com o fornecimento adequado de medicamentos descritos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)/Ministério da Saúde. Recomendamos ainda que o Ministério faça campanhas de conscientização para que todos e todas saibam do direito ao acesso e esses medicamentos. É também fundamental o fortalecimento de instituições como CAPS, CAPSi e CAPSAD com atendimento por psicólogos, psiquiatras e terapias alternativas.Reforçamos a importância de uma assistência que não incentive o uso abusivo de medicamentos psicotrópicos.
• Pelo Direito à Saúde e à Vida. Reforçamos a importância do acompanhamento por equipes de saúde multidisciplinar durante todo o cumprimento das medidas socioeducativas, reiterando a visão ampliada de saúde baseada na Política Nacional de Saúde Mental e na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei (PNAISARI).
• Pela garantia do direito ao acesso à saúde pelas pessoas privadas de liberdade. Reivindicamos o direito de presos e presas acessarem de forma integral as políticas de saúde que preconizam assistência por Equipes Básicas Prisionais dentro das unidades e que sejam transferidos para unidades externas de acordo com o nível de complexidade de seus casos. Em consonância com os artigos 14 e 120 da Lei de
Execução Penal (LEP), a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), instituída pela portaria interministerial nº 1 de 02 de Janeiro de 2014.
• Pelo fim da medicalização e prescrição excessiva de psicotrópicos, superando a lógica do tratamento medicamentoso como o único modo possível de tratamento em saúde mental no cárcere. Recomendamos a publicização para os familiares dos receituários médicos prescritos para as pessoas privadas de liberdade e a criação de protocolos humanizados nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Pernambuco (HCTP-PE).
Sobre SEGURANÇA PÚBLICA
• Pelo monitoramento das forças policiais pela sociedade civil. Recomendamos a instalação de câmeras nas viaturas e nos uniformes de agentes de segurança pública e do Sistema Prisional durante todo o expediente de trabalho. Reiteramos ainda a importância da manutenção do uso da identificação nominal (nome bordado no uniforme) desses/as agentes em serviço.
• Pelo controle externo da atividade policial: Acorda, MP! Requeremos que os Ministérios Públicos do Brasil orientem os promotores de promotorias de investigação penal e de forças tarefa com tal atribuição, a solicitar o afastamento imediato do/s agente/s das unidades socioeducativas, quando houver casos de violência ou indícios de tortura, colocando-os em ofício administrativo, sem convívio algum com o/as adolescentes, até que terminem as investigações, conforme a resolução no 279 do Conselho Nacional do Ministério Público.
• Pela não militarização das Unidades de Internamento. Recomendamos que agentes socioeducativos sejam vinculados, exclusivamente, às secretarias estaduais de Educação, não tendo quaisquer vínculos com órgãos e equipamentos que respondam diretamente às políticas de segurança pública.
•Pela extinção das gratificações e bonificações por prisões e apreensão de drogas. Recomendamos que sejam emendadas ou extintas as legislações, decretos e regimentos que propõem a gratificação e/ou bonificação pelo alto índice de prisão de pessoas e apreensão de drogas pelos agentes de segurança pública, seja ela de qualquer virtude (bonificação financeira, reconhecimento institucional, etc); estimulando também a criação de metas para a redução de letalidade policial em virtude de operações para prisão e repressão ao tráfico de drogas.
•Pelo Desinvestimento das Forças Policiais e Militares. Recomendamos o desinvestimento das forças policiais, militares, e das políticas de segurança pública, compreendendo o alto investimento dos estados.
• Pela garantia da participação de movimentos sociais e entidades sociais nos Comitês Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura. Recomendamos que seja priorizada a participação de movimentos e entidades sociais que mesmo sem CNPJ, tenham comprovada atuação de ao menos dois anos em pautas vinculadas às questões de privação de liberdade para conselheiros de Comitês Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura.
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