Sete décadas de mentalidade colonialista e escravocrata desde a emancipação até o presente momento no território de Itaquaquecetuba.
Por Aristides Barros
Autores têm suas vidas voltadas à educação e a defendem com a força da palavra escrita
A cidade tem 462 anos de existência e “diminui” a cada ano que passa, quando comparado o seu desenvolvimento social aos de outras cidades da Região do Alto Tietê. É preciso ser de Itaquá, gostar de Itaquá para buscar entender porque ela vai no sentido contrário ao de suas vizinhas.
Oito educadores se revezaram na escrita de um livro para ajudar as pessoas que moram e gostam de Itaquá a ajudar a tecer as linhas de um futuro para a cidade, evitando o emaranhado de projetos políticos que só olharam o tamanho do cofre do município, e ao fim de sua jornadas pessoais deixaram Itaquá uma colcha de retalhos.
É o que dá a entender a entrevista que segue com o professor Alberto Santos, um dos autores e organizador do livro ITAQUAQUECETUBA – Educação, Território e Cidadania.
EL - Como surgiu a ideia do livro Itaquaquecetuba - Educação, Território e Cidadania?
Na verdade, a ideia do livro é um sonho antigo, como geógrafo educador. Desde 2005 quando fui Diretor do Curso de Geografia da Universidade Guarulhos (UNG), iniciamos nossas preocupações geográficas em estudar o território de Itaquaquecetuba. Entre inúmeros geógrafos e geógrafas educadores/as nesta cidade, o pastor evangélico Adilson Achando – que foi vice-prefeito da cidade entre 2009 e 2012 – foi nosso aluno no curso de Geografia. Em 2007 a UNG inaugurou o Campus Itaquaquecetuba (na Avenida Uberaba), no qual acumulei o cargo de Diretor da Geografia. Entretanto, a partir de 2019, quando me mudei para Itaquaquecetuba, o sonho do livro renasceu. Somente em junho de 2021 tiramos da mente e colocamos no papel, quando convidamos as autoras e autores – munícipes da cidade – para escrevermos o livro, em plena pandemia covid-19.
EL - O livro é temporal. “Fala” desde os tempos idos da cidade até o momento atual. Qual fase específica de Itaquá foi escolhida pelos autores para começar o trabalho literário?
O atual território de Itaquaquecetuba, com suas desigualdades sociais, ambientais e humanas, é o resultado de um ciclo histórico das últimas sete décadas, de 1953 até 2023.
O livro tem como recorte temporal ou histórico a primeira e segunda décadas deste século XXI. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são de 2010 a 2022. Já os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) são de 2017 a 2021. Entretanto, o espaço geográfico, tal como se apresenta no presente, é o resultado ou a acumulação desigual do tempo. E o espaço e a história são produzidos pelos homens e mulheres no seu tempo. Portanto, o livro “ITAQUAQUECETUBA – Educação, Território e Cidadania” é um marco histórico a partir do qual nós cidadãos e cidadãs temos a possibilidade de pensarmos e construirmos, com democracia, um novo ciclo histórico com cidadania plena para o futuro desta cidade.
EL - Ele é dividido em seis capítulos. O que é abordado nesses seis capítulos?
O capítulo 1, “Um olhar sobre a qualidade da educação nas séries iniciais do ensino fundamental em Itaquaquecetuba” é uma abordagem dos baixos índices de desenvolvimento da educação básica (IDEB). O capítulo 2 “Dos índios aos imigrantes em Itaquaquecetuba: uma introdução histórica e geográfica”, como diz o título desse capítulo, trata-se de um estudo histórico e geográfico da cidade. O capítulo 3 “A importância do ensino da Geografia e da Filosofia nas escolas do município de Itaquaquecetuba” é uma reflexão sobre a relevância dessas disciplinas do currículo para a formação da cidadania dos estudantes. O capítulo 4 “Desigualdade digital e os novos desafios educacionais” trata-se de uma pesquisa de campo nas escolas públicas estaduais revelando a carência de recursos informacionais e digitais em Itaquaquecetuba. O Capítulo 5 “Um ponto de vista: educação não regular em cursinho pré-vestibular comunitários em Itaquaquecetuba”, por um lado, demonstra a carência educacional das pessoas que passaram pela Escola regular e, por outro, explicita o crescimento e evolução dessas pessoas no ingresso no Ensino Superior. O capítulo 6 “Direitos Humanos e populações em Itaquaquecetuba, um pedaço do Brasil”, é uma abordagem introdutória sobre o que são os Direitos Humanos, os ataques a esses direitos básicos (educação, saúde, alimentação, moradia, transporte), cujos desrespeitos às dignidades das pessoas tem produzido a geografia da desigualdade neste território pedaço do Brasil, Itaquaquecetuba.
EL - O livro se propõe ao quê. Qual é o seu objetivo específico?
O livro é um convite científico à reflexão sobre a Educação como direito das cidadãs e cidadãos itaquaquecetubenses. O objetivo específico é demonstrar que o analfabetismo de 10% da população, os baixos índices de escolarização (51% das pessoas não concluíram o ensino fundamental), mais de 4.500 crianças fora das creches, ausência de política de acessibilidade para as pessoas com deficiências físicas motoras e outras, isso tudo é resultado de um ciclo de sete décadas, 70 anos da mentalidade colonialista (colonizadores que exploram) e mentalidade escravocrata (atuam como donos de escravos) desde a emancipação da cidade em 1953, até o presente momento histórico 2023, no território de Itaquaquecetuba.
EL - O trabalho pode ajudar na solução de problemas da cidade? (que não são poucos)
Sim, sem dúvida o livro é uma produção científica que pode ajudar na solução de problemas da cidade. Especialmente no campo da Educação Fundamental e Básica. Afinal, a educação, a alfabetização, o meio ambiente saudável, a acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência física são direitos humanos. Não existe cidadania plena com analfabetismo. Cidadania requer o pleno respeito constitucional aos direitos humanos de todas as pessoas. Em países desenvolvidos como Finlândia, Dinamarca e outros, as políticas públicas são formuladas a partir de pesquisas científicas. Desenvolvimento social de uma cidade só é possível com conhecimento científico. Ao contrário, o amadorismo e o negacionismo da ciência produzem retrocesso, morte, doença, corrupção, estagnação e ilusão.
EL- O livro pode ser definido como uma obra etnológica?
Sim, parcialmente. Não a obra como um todo. Mas o capítulo 2, “Dos índios aos imigrantes em Itaquaquecetuba: uma introdução histórica e geográfica” se aproxima, em certa medida, de uma abordagem etnológica. Ou seja, o capítulo 2 aborda aspectos da história e da geografia humana, dos aborígenes, dos imigrantes bolivianos, da população, do patrimônio histórico, da memória, da antropogeografia. EL-Esse trabalho é destinado a um público específico?
O público alvo da obra são os estudantes do Ensino Médio, professores e professoras da Educação Básica e funcionários públicos em geral. Embora seja científico, o livro pode ser lido e entendido por um público mais amplo, isto é, cidadãs e cidadãos alfabetizados de todos os níveis sociais.
EL- Foi "fácil" escrever Itaquaquecetuba em apenas 132 páginas e em seis capítulos?
O método científico é fundamental para concretizar projetos com êxito e ética. Já escrevi dois livros científicos individualmente, a dissertação de mestrado e a tese de doutorado em Geografia na Universidade de São Paulo - USP. Com o domínio acadêmico e científico do método, coordenar e organizar o trabalho coletivo com oito autores e autoras, facilitou a escrita do livro. Entretanto, temos muito ainda a pesquisar, produzir ciência, escrever e publicar sobre esta cidade do Alto Tietê. Nesse sentido, um livro com 132 páginas e seis capítulos é uma excelente introdução e, ao mesmo tempo, uma formidável síntese sobre o tema central que é Educação, Território e Cidadania em Itaquaquecetuba.
EL- Quais são os oito autores que ajudaram na composição da obra?
No final do livro consta uma síntese da biografia dos autores e autoras. Todas as autoras e autores do livro são munícipes em Itaquaquecetuba. São professoras, professores, coordenadora, diretor e vice-diretor que atuam na Educação Básica Pública e um advogado que atua na Educação não regular em cursinho pré-universitário comunitário. Por ordem de capítulos, respetivamente, são os seguintes: 1) Marcelo Pereira Leite (Diretor de Escola e filósofo), 2) Paloma Salvat (Geógrafa educadora) e Bruno Oliveira, (Historiador), 3) Dulce Nascimento (Geógrafa educadora) e Valdir Lima (Vice-Diretor de Escola, Literato e Filósofo), 4) Valéria dos Anjos Ferreira (Geógrafa educadora e Coordenadora Pedagógica), 5) Adervaldo José dos Santos (Advogado), 6) Alberto Pereira dos Santos (Geógrafo educador).
O lançamento do livro acontece no dia 17 de fevereiro, a partir das 19 horas, no IFSP (Instituto Federal de São Paulo-Campus Itaquá), na Rua Primeiro de Maio, 500 - Bairro Estação, Itaquaquecetuba.
O livro pode ser comprado na loja virtual https://www.pacolivros.com.br/itaquaquecetuba-educacao-territorio-e-cidadania
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