Um tripé de maldades suspende vidas perdidas, gente inundada de sofrimento e a dor insuportável por mortes de parentes, muitas à espera de justiça
Texto e fotos: Aristides Barros
Mislane se arma de amor e revolta para buscar justiça ao acontecido com a filha
Mislane Valentim dos Santos, 31 anos, espera respostas e, mais que isso, justiça para a sua filha, Thayná Valentim Soares Lima Santos, morta aos cinco anos de idade. A mãe suspeita que a morte da menina ocorrida no dia 20 de abril, deste ano, esteja relacionada a possíveis erros no atendimento realizado no Hospital de Bertioga.
Ela antecipou que vai tentar levar os supostos responsáveis ao banco dos réus, com o objetivo de que eles não fiquem impunes e não façam novas vítimas. Destaca-se que essa não será a primeira vez que o hospital vai “pisar” nos tribunais.
Ações dessa natureza contra a unidade de saúde são recorrentes, alguns casos vêm a público e viram processos e outros são, aparentemente, “silenciados”.
Os problemas com a menina começaram em casa e pioraram quando ela foi levada para a Estratégia da Saúde da Família (ESF) que fica no bairro de Boracéia onde a família reside. Da ESF, Thayná foi removida para o Hospital de Bertioga, onde teria sido tratada com o diagnóstico de pneumonia.
Depois de três dias e já com o estado de saúde agravado conseguiram sua transferência para o Hospital Guilherme Álvaro, em Santos, onde após oito dias de internação veio a falecer.
Em Santos, junto ao diagnóstico de pneumonia, os médicos detectaram que a menina teve um problema neurológico, inclusive teria sofrido um Acidente Vascular Cerebral (AVC). A certidão de óbito apontou a causa da morte em decorrência de: sepse, pneumonia bilateral extensa, hemorragia intracerebral. A mãe até hoje se pergunta o que aconteceu para a filha ter uma morte tão sofrida.
Ela revela uma sucessão de falhas na forma de atendimento de Thayná no Hospital de Bertioga. Relata o “abandono” de Thayná em uma sala de observação quando a menina deveria ser levada para um leito pediátrico. A frieza com que alguns funcionários se dirigiam ela que já estava atordoada ao ver a menina padecendo. “É muita falta de empatia com a dor do próximo”, comparou.
Para a mãe, também houve falha na transferência da filha ao hospital em Santos. “A médica que acompanhou a gente na remoção não tinha qualquer informação para passar aos médicos do “Guilherme Álvaro” sobre as condições da minha filha. Ela perguntava para mim e eu ia respondendo da forma que sei”, revelou.
Durante oito dias os médicos do Hospital Guilherme Álvaro “lutaram” para salvar a criança e não conseguiram. Funcionários da unidade de saúde chamaram a avó de Thayná, a doméstica Maria Lúcia dos Santos, 52 anos, que acompanhava a neta no hospital, e pediram a ela que avisasse os demais parentes para verem a menina pela última vez, e se despedirem dela. O mundo dos familiares de Thayna ruiu.
Houve a determinação de que a retirada do corpo, já sem vida, do hospital fosse feita mediante a realização de um boletim de ocorrência, o que aconteceu no 7º Distrito Policial (DP) de Santos. O ocorrido virou um caso de polícia e de Justiça.
Pelo telefone o aviso da suspeita de meningite e uma vacinação sigilosa
Mislane extravasou os sentimentos da perda usando as suas redes sociais
Completavam três dias da morte de Thayná quando a Mislane recebeu uma ligação da Diretoria do Departamento de Vigilância em Saúde de Bertioga (DVS), com o órgão relatando que teria recebido a notificação do óbito de Thayna com suspeita de meningite.
O documento sobre a possível causa da morte por pneumonia e encefalite foi emitido pelo IML de Santos.
Em razão disso seria urgente vacinar a família, e demais crianças e pessoas que tiveram contato com ela, além de adultos que não tinham comprovante de vacinação.
Todos os adultos da família foram vacinados, à exceção de outras duas filhas de Mislane, uma de 12 anos e outra de 15 anos de idade, e de dois sobrinhos (2 e 9 anos), que também tinham contato direto com a prima falecida. “As minhas duas filhas estão com as carteiras de vacinação em dia, inclusive a Thayná também estava”, revelou a mãe.
Thayná era aluna de uma escola municipal, em Boracéia, cursava o ensino básico. A DVS teria pedido a listagem de crianças da sala dela, informando que todas seriam vacinadas. O que não aconteceu no local, a imunização de seus “coleguinhas” teria sido realizada na Estratégia de Saúde da Família.
Segundo a mãe, funcionários da DVS teriam pedido sigilo sobre a vacinação “para não alarmar a população”. O que ela estranhou como também estranhou não ter recebido nenhuma informação acerca da menina por parte do hospital, que ainda não entregou o prontuário de atendimento da filha. A mãe insiste nos pedidos para obter o documento e a unidade médica insiste na demora em entregá-lo.
Outras famílias que enfrentaram o calvário mortal no Hospital de Bertioga de Bertioga tiveram as mesmas dificuldades vividas por Mislane para obter o prontuário médico. Isso ocorreu com Sabrina Monteiro e seu filho Akin Ayo.
Em agosto de 2023, Akin morreu durante o parto e a família acusou a equipe médica de todas as circunstâncias que levaram à sua morte, que teria sido o resultado da violência sofrida pela mãe. Leia em Casal pode processar hospital pela morte do filho por suposta violência obstétrica
Ainda naquele ano, em julho, um relatório apontava que dos nove municípios da Baixada Santista cinco apresentavam taxa de mortalidade infantil acima do preconizado pela ONU, que é de 10 para cada mil nascidos vivos. Bertioga aparecia no relatório com 15,03 bebês mortos para cada mil nascidos vivos. A organização internacional alertava para a tragédia bertioguense com as crianças da cidade.
O caso protagonizado por Sabrina Monteiro repercutiu dentro e fora do Hospital de Bertioga. A unidade de saúde se viu acuada por manifestações voltadas à proteção das mulheres, pacientes e parturientes, entre elas Ongs e entidades ligadas à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Houve atos públicos visando que o que aconteceu com o menino Akin Ayo não voltasse a se repetir. Leia em Bertioga vive um domingo de protesto pela morte de recém-nascido.
Em sua curta vida, a menina Thayná “brincou” de existir; mas por pouco tempo
A menina agora é vista só em fotos e vídeos que só aumenta a saudade (Arquivo pessoal)
O Hospital de Bertioga protagoniza a história da curta existência da menina Thayná Valentim dos Santos: o nascimento e a morte, se levado em conta os relatos de sua mãe, Mislane Valentim.
Também na dualidade dos fatos, nascimento e morte, Tayná veio ao mundo da mesma forma que saiu dele: prematuramente. Nasceu aos seis meses de vida e morreu com cinco anos de idade.
Devido a complicações que ofereciam risco à vida da mãe e da criança, os médicos decidiram antecipar o parto. Mislane contava o sexto mês de gravidez quando Thayna nasceu, por meio de uma cesariana, no dia 27 de julho de 2018.
Logo após o nascimento veio o calvário. A bebê apresentou problemas respiratórios e depois de uma mal sucedida tentativa de entubá-la para melhorar a respiração produziram ferimentos na garganta da criança, e com eles novos riscos à vida de Thayná.
A equipe médica já havia decidido que por ser prematura a bebé seria transferida para outro hospital logo após o parto. Devido aos poucos recursos do Hospital de Bertioga a medida visava garantir a vida da criança. Porém, a transferência só aconteceu três dias depois do nascimento.
Já com o estado de saúde agravado, ela foi transferida para o Hospital Irmã Dulce, em Praia Grande. Em face da estrutura deficitária da unidade de saúde bertioguense o “Irmã Dulce” até pode ser considerado um hospital de primeiro mundo, tanto que sua equipe médica salvou a bebê.
A coincidência da vida e morte da menina é que os médicos que a salvaram no hospital em Praia Grande, quando ela estava com três dias de vida, foram os mesmos que a atenderam no Hospital Guilherme Álvaro, em Santos, para onde foi transferida. Mas, desta vez eles não conseguiram sucesso: ela morreu no dia 20 de abril de 2024.
Maratona: Famílias bertioguenses correm à saúde e depois recorrem ao Judiciário
A quantia paga ao INTS para trabalhar a saúde de Bertioga tem custado caro a muitas vidas
O Hospital Municipal de Bertioga é gerido pelo Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde (INTS), que se afirma Organização Social de Saúde (OSS) sem fins lucrativos. A informação contrasta ao valor do seu contrato com a prefeitura de Bertioga, que passa dos R$ 50 milhões anuais. O montante é patrocinado para trabalhar o hospital municipal e outros equipamentos de saúde da cidade.
O INTS tem contratos com outras prefeituras paulistas. Na região do Alto Tietê, ele está presente nas prefeituras de Mogi das Cruzes, Suzano e Itaquaquecetuba. Destaca-se que a matriz do INTS fica na Bahia. O valor de seus contratos não anulam a identificação "sem fins lucrativos", mas arremessa para a distância os possíveis ideais altruístas do instituto.
No final das contas contratuais de cifras milionárias quem pouco, ou nada, lucra com os serviços da área deficitária saúde de Bertioga é quem está na ponta do iceberg: a população. É ela sofre nas filas das unidades de saúde geridas pelo instituto na cidade. Pessoas, ora correm ao hospital e depois recorrem à Justiça, por danos de vida e morte.
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O que dizem os envolvidos
O site Efeito Letal contatou o INTS, a Secretaria de Saúde de Bertioga e também a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo para a versão deles sobre os fatos.
Três perguntas foram dirigidas à Secretaria de Saúde de Bertioga indagando o órgão de onde teria partido a notificação de que o óbito de Thayná estaria com suspeita de meningite.
Quantas pessoas em Boracéia (crianças e adultos) teriam sido imunizadas devido a suspeita da doença. E por último, se para ocorrências dessa natureza a orientação da Secretaria da Saúde de Bertioga é que seja mantido sigilo.
O órgão se limitou a responder apenas que "O INTS, responsável pela gestão do Hospital Municipal de Bertioga, informa que o prontuário está disponível para a família desde o dia 23 de maio. De qualquer forma, a ouvidoria da unidade irá entrar em contato com a família para esclarecer essa e outras dúvidas e dar o acolhimento necessário. A médica que acompanhou a paciente possuía todas as informações necessárias para o momento da transferência. Os dados também foram divididos com a equipe médica do hospital de destino".
O site pontua que a questão do prontuário foi destinada ao setor de Comunicação do INTS, que repassou o questionamento à Secretaria de Saúde de Bertioga.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde informou. "O Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) do Estado de São Paulo informa que, quando há a ocorrência de um caso suspeito de meningite, as medidas de prevenção e controle são modificadas a depender da suspeita clínica e posterior identificação do agente etiológico.
A vacinação de bloqueio é indicada nas situações em que há um surto de doença meningocócica, para o qual seja conhecido o sorogrupo responsável, por meio de exames laboratoriais específicos.
A vacinação é utilizada a partir de análise e decisão conjunta das três esferas de gestão, e a estratégia de imunização será definida considerando a avaliação epidemiológica, as características da população e a área geográfica de ocorrência dos casos. Todos os procedimentos relacionados com a realização das ações de prevenção e controle deverão estar de acordo com as diretrizes nacionais vigentes".
NOTA DA REDAÇÃO - Não existe a informação de que a Secretaria Municipal de Saúde de Bertioga tenha comunicado a Secretaria Estadual de Saúde acerca da ocorrência na cidade e nem das providências que teria adotado sobre o número de pessoas vacinadas na localidade onde se deram os fatos.
Isso é um descaso com a população colocando médicos incapaz de esser sua função
Uma cidade tão rica
Infelizmente, poucas pessoas nos tratam bem no hospital de Bertioga. A maioria dos médicos que eu passei foram grossos, funcionários. Não posso generalizar mas se você comparar com outros hospitais como o de Boissucanca, dá vergonha. Lá em Boissucanga,mesmo com o hospital cheio, só atendida rapidamente. Sou bem tratada pelos funcionários enquanto aqui, a maioria dos "profissionais" nos tratam com desprezo. O atendimento começa ruim já no momento em que você espera por horas atendimento num lugar,mesmo quando tem poucas pessoas na recepção. Parece brincadeira. Já aguardei atendimento por uma hora e meia estando apenas eu e mais duas pessoas na recepção. É uma falta de respeito tão grande que eu só posso imaginar que ali só tem gente trabalh…