O silêncio transforma a vítima em cúmplice de seu próprio drama e faz que danos físicos irreversíveis e até mortes fiquem impunes
Aristides Barros
É fim de ano, dezembro de 2019. E, no espaço de sete dias o único hospital de Bertioga, Litoral paulista, registra as mortes de duas jovens, ambas de pouco mais de 20 anos de idade. Os dois casos tiveram ampla repercussão no município, de aproximadamente 70 mil habitantes.
Quanto menor o local maiores os comentários, e a notícia que ecoou pelos quatros cantos da cidade praiana chegou em Guarulhos, na Grande São Paulo, onde recebeu a atenção dos advogados Adiel Muniz e Ana Vuitik.
Os dois profissionais forenses já atuaram a favor de vítimas, e de familiares destas, em vários casos em que a justiça foi chamada para a missão de reparar e punir as falhas imputadas ao setor médico-hospitalar, alvo do trabalho de ambos.
O advogado se dispôs a falar ao site Efeito Letal sobre o que deve ser feito pela pessoa que se sentir vítima direta ou indiretamente de mau atendimento no sistema de saúde, público ou privado.
EL. Dr., o que a pessoa que se sentir prejudicada pelo atendimento de um hospital, seja erro médico ou negligência, pode fazer, ou, a quem ela deve recorrer? Adiel Muniz. Primeiramente deve diante do ocorrido dar ciência a quem de direito no hospital, após requerer o prontuário médico. Em seguida dirigir-se a uma Delegacia de Polícia local e noticiar o fato para autoridade de plantão para providências cabíveis daquele órgão. O erro médico é a falha do profissional no exercício do seu ofício, por imprudência, imperícia ou negligência, devendo o médico recompensar as vítimas ou seus parentes. Neste sentido, o art. 14, § 4º, do Código do Consumidor: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
EL. Prontuários médicos podem ser alterados visando encobrir uma conduta que tenha prejudicado um paciente? Adiel Muniz. A adulteração do prontuário médico é ato reprovável do ponto de vista da ética médica, podendo até mesmo configurar ilícito criminal além de indenizar a parte que sofreu os prejuízos da prática ilegal.
EL. Qual é o prazo de tempo que uma pessoa que tenha sido prejudicada por um atendimento médico errôneo pode entrar com processo na Justiça, a fim de que o autor do ato seja penalizado? Adiel Muniz. Em casos de erro médico, as vítimas têm até três anos para pedir a reparação. Conforme dispõe o artigo 206, Parágrafo 3, inciso 5 do Código Civil, O prazo só começa a valer a partir do momento que tomam conhecimento de que o dano sofrido é realmente irreversível.
EL - Têm hospitais públicos que terceirizam seus respectivos atendimentos, contratando empresas privadas para gerenciá-los. No caso desses hospitais cujos serviços são terceirizados, o processo é instaurado contra a empresa contratada para gerir os serviços da unidade de saúde ou contra a administração pública, uma vez que a unidade pertence à administração pública? Adiel Muniz. O ente público que estabelece o contrato e a empresa prestadora de serviços, pois os dois são responsáveis pela unidade de saúde.
EL. Existem muitas ações judiciais motivadas por erros médicos ou negligência em atendimentos na área de saúde? Adiel Muniz. Não é possível precisar a quantidade de ações em trâmite e que discutem eventuais erros, pois na maioria das vezes tais procedimentos são processados em sigilo, não ficando visível na página do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
FICHA TÉCNICA - O advogado Adiel Muniz é graduado em Direito pela Universidade Guarulhos, pós-graduado em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho no Complexo Damásio de Jesus, professor universitário e membro IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), relator da 18ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, com sede em Guarulhos, exerceu o cargo de diretor-adjunto na Ordem dos Advogados na Subseção 57ª do Município de Guarulhos, durante o triênio 2016/2018. É advogado militante inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo subseção 57ª do Município e Comarca de Guarulhos.
A advogada Ana Vuitik é especialista em Direito Civil e Processo Civil, e especializada em processos que investigam prováveis erros médicos. Sua experiência nesse segmento é validada pelos 14 anos que trabalhou como fisioterapeuta em UTI (Unidade de Terapia Intensiva). A advogada considera importante o conhecimento técnico adquirido na área de saúde o que lhe permite facilidade para discutir ações desse setor.
VOZES QUE SE SILENCIAM FAZEM QUE A IMPUNIDADE COMEMORE AOS GRITOS
Não se tem um número exato de denúncias que saem dos consultórios e dos leitos hospitalares e vão parar nos tribunais devido os casos - ou descasos - resultarem danos físicos e até mortes de pacientes. As ações estampadas nesses processos figuram acusações de erros médicos e negligência de unidades de saúde, que levam a medicina a sentar no banco dos réus.
A imprecisão numérica é por conta dos corredores de quase todos os hospitais do país em função de ocorrências graves "ganharem" o sombrio aspecto de corredor da morte, pelo fato de óbitos gerarem suspeitas que motivam a abertura de investigações e ações judiciais.
É de se ressaltar que a maioria das ações que abarrotam o já sobrecarregado sistema judiciário brasileiro parte da saúde pública que absorve a imensa massa de usuários, formada por gente humilde e carente.
Pessoas que recorrem a hospitais e postos de saúde em busca de socorro e assistência, e por vezes saem desses locais pior do que chegaram, Desnorteadas e com pouco, ou sem nenhum, conhecimento de seus direitos muitas delas engolem a dor e se calam. Desta forma, além de vítimas se tornam cúmplices de seus próprios dramas, fazendo que danos irreversíveis e até mortes fiquem impunes.
MÉDICO PROCESSA AVÓ DE CRIANÇA MORTA E JORNAL QUE PUBLICOU A DENÚNCIA
Um caso que explica - mas não justifica - o motivo das pessoas optarem pelo silêncio a denunciar o que sofreram nos corredores hospitalares é trazido numa reportagem do jornal Edição Extra, datada de janeiro de 2018, que resultou em processos contra a denunciante e o veiculo de comunicação.
O receio da represália de pessoas aparentemente poderosas inibe a procura pelos direitos. Mas, têm aqueles que não se rendem ao desejo e a vontade de que a justiça seja feita. Porém, quando o silêncio é rompido a reação vem logo em seguida.
Apontado como suposto responsável pela morte de Ana Beatriz, filha de Greiciane Nascimento Santos, e neta de Elisângela Silva, um médico acionou na Justiça a avô da criança e o jornal, dirigido pelo jornalista e chargista José Geraldo Júnior.
O Hospital Municipal de Bertioga foi palco dessa da ocorrência, que é uma réplica de outras semelhantes acontecidas no local e que já estamparam páginas de jornais, ganhando manchetes de órgãos de imprensa de Bertioga e região.
Na ação do médico contra o jornal a Justiça disse "não vislumbrar, pelo menos neste primeiro momento, abuso no exercício do constitucional direito de informar", ao que o diretor do Edição Extra falando para o site Efeito Letal completou. "Fizemos o nosso trabalho de imprensa, que é o que os jornalistas fazem, reportar fatos".
Destaca-se que a avó da criança processou o médico e o hospital. Por sua vez, o profissional de medicina processou a mulher e o jornal e o diretor do Edição Extra por danos morais. Os processos ainda tramitam na Justiça. Confira a reportagem no vídeo.
Muito triste a história dessa moça que foi maltratada por esse médico sem noção, eu passei por um descaso tbm que ele fez comigo, sei como é, gostaria de ir como testemunha para ela pois é a chance de poder tbm contar para o juiz oque ele é com as pessoas que precisam de atendimento