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Foto do escritorAristides Barros

Calvário de seis anos vivido por Maria do Carmo termina com a morte da servidora pública

Atualizado: 26 de jul.

Prefeitura de Bertioga reluta indenizar mulher acidentada durante jornada de trabalho, mas a Justiça já bateu o martelo: “tem de pagar”


Texto e fotos: Aristides Barros 

O sobrinho, a filha e o companheiro de Maria do Carmo se despedem da servidora


Os últimos seis anos de vida da servidora pública municipal da Prefeitura de Bertioga, Maria do Carmo Gonçalves de Melo, 70 anos, falecida nesta segunda-feira (22) se resumem na tríade abandono, dor e sofrimento. 


Abandono por parte da Prefeitura de Bertioga pela falta de assistência a ela. Dor e sofrimento porque desde o acidente, sofrido em 2018, passou a viver em cima de uma cama em razão do corpo alquebrado pelos vários ferimentos, o que foi agravado pela amputação da perna direita. 


Maria do Carmo era a auxiliar de enfermagem que constou entre as dezenas de vítimas de um violento acidente envolvendo três veículos, ocorrido em junho de 2018, na rodovia Rio-Santos. O Portal de Notícias G1 repercutiu o episódio leia em  Acidente deixa três mortos e pacientes de hemodiálise feridos em SP; vídeo


A tragédia, que teve como saldo três mortos e 12 feridos, incapacitou Maria do Carmo para o trabalho e fez diminuir o seu ganho como funcionária pública municipal concursada, que era em torno de R$ 6 mil e caiu para pouco mais de R$ 1 mil. 


A redução salarial foi devido ao “corte” de benefícios oriundos da profissão e dos cerca de 20 anos de prestação de serviço para a prefeitura bertioguense, disse o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Bertioga (SSPMB), Jorge Guimarães dos Santos, o Jorjão. 


Ele e o advogado Carlos Alberto Zambotto, que trabalha para o Sindicato, pontuaram a posição omissa da administração municipal. Sobre o caso, o advogado relatou que a prefeitura teria “jogado” a culpa do ocorrido no motociclista, sendo que este morreu no acidente.  


A prefeitura teria usado esse argumento para “fugir” da indenização a Maria do Carmo, o que não foi aceito pela Justiça. “Agora não cabe mais recurso e a prefeitura vai ter de cumprir a obrigação de indenizar”, revelou o profissional forense. E o líder sindical completou: “Não é porque a dona Maria morreu que eles não vão pagar. Vão ter de pagar sim”, reforçou Jorjão.


O sindicalista Jorjão pontua que apesar da morte da servidora a prefeitura tem de pagar 


O advogado começou a trabalhar no Sindicato em 2019 e a movimentar o caso em 2022, quatro anos após o acidente. Ele estranhou que a ocorrência com três mortes e um número expressivo de vítimas estivesse “caindo” no esquecimento. Passou a conversar com Maria do Carmo e ela contou a situação. 


Os registros da ocorrência estavam no Palácio da Polícia, em Santos, onde o inquérito já havia sido arquivado,. O advogado rumou para lá, Zambotto disse ter havido resistência na entrega do documento, mas conseguiu e reabriu o caso. 


Ele descortinou o mistério e descobriu que o veículo envolvido no acidente não poderia fazer a remoção de pacientes, pois era destinado apenas ao transporte de medicamentos. Também apurou que o motorista não era habilitado para trabalhar na remoção de pacientes, e que o mesmo foi demitido após o acidente na Rio-Santos. 


E mais, o advogado que defendeu a empresa responsável pelo veículo é funcionário do legislativo bertioguense, que é a Câmara de Bertioga, que por sua vez, recebe recursos da Prefeitura de Bertioga, envolvida diretamente no caso. A empresa ainda atua na remoção de pacientes e mantém contrato com a administração municipal para o serviço. 


Zambotto foi “juntando” os pontos, desatando os nós e, com o cenário mais nítido, percebeu que tudo estava interligado. Ele retomou o processo, conseguindo recentemente a vitória na Justiça para a servidora pública. 


A indenização da prefeitura à auxiliar de enfermagem inclui danos morais e pensão vitalícia. “O valor a ser pago será reavaliado, porque houve a amputação da perna direita”, falou o advogado. Ele não revelou a quantia.


Para os familiares, fica a saudade da mulher que viveu para ajudar o próximo     


A filha Ana Cristina Gonçalves de Melo, 43 anos, viajou do Rio de Janeiro a Bertioga para o velório da mãe. “Ela não escolheu a profissão por acaso, fazia de tudo para ajudar o próximo, tanto que no momento mais traumatizante de sua vida ela estava junto de ‘seus’ pacientes”, contou a filha, enaltecendo a história da auxiliar de enfermagem.


O companheiro de Maria do Carmo, o aposentado Sebastião Marques, 70 anos, disse que ela deixa um vazio imenso e que vai fazer muita falta. “Eu vou continuar vivendo, é o que a gente precisa fazer daqui pra diante, viver com a saudade que ela deixa”, falou. Maria do Carmo e Sebastião viviam juntos já há 31 anos. 


O sobrinho José Fagner Leite Gonçalves, 30 anos, entre lágrimas e soluços, mostrava tristeza com a morte da tia. “A forma como ela suportou os últimos anos de vida. Não é fácil ver alguém que trabalhou ajudando os outros ficar na situação que ela ficou, até morrer”.  


Maria do Carmo deixa o companheiro Sebastião Marques e os filhos Luiz Carlos Gonçalves de Melo, 35 anos, Juliana Gonçalves de Melo, 46 anos e Ana Cristina Gonçalves de Melo e quatro netos. A questão financeira "deixada" pela servidora vai ser decidida entre os familiares.


Prefeitura rebate omissão e diz que prestou assistência

Administração municipal recorreu da decisão mas o martelo da Justiça bateu com firmeza


A reportagem questionou a administração municipal sobre as condições de abandono apontadas pela família de Maria do Carmos e reiteradas pelo sindicalista e pelo advogado do SSPMB. A resposta da Prefeitura de Bertioga segue abaixo.  


“Segundo a secretaria de Saúde, Maria do Carmo Gonçalves de Melo era cadastrada no programa Melhor em Casa, recebendo constantes visitas da equipe formada por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem e assistente social. 


Durante as visitas, a equipe realiza curativos, aferição de pressão arterial, troca de sondas, coleta de exames laboratoriais e aplicação de vacinas. 


A equipe médica também orienta sobre cuidados, banho, locomoção e mudança de posição na cama. Para outros procedimentos médicos, a paciente optava por utilizar serviços do seu convênio médico.


A Pasta ressalta que havia assinado um contrato emergencial para fornecer o serviço de cuidadores domiciliares 24 horas, ainda que não seja oferecido pelo SUS”.


Sobre a apresentação de recurso contra o pedido de indenização para a servidora a administração completa. “Com relação ao citado recurso, deve ser esclarecido que as decisões contrárias à Administração Pública só produzem efeito depois de confirmadas pelo Tribunal”.



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